sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Há vidas que merecem o nosso tempo.









“…cada palavra tem um significado forte para mim, podia ter escrito isso eu própria, se eu as tivesse escrito tê-las-ia escrito assim e não de outra forma.”


( o que Etty escreve sobre as cartas de Rilke, poderia ter escrito eu sobre as cartas dela)


A Etty entra na minha vida da forma mais banal possível através duma mensagem com um excerto dum parágrafo que agora nem recordo qual, daí ficou-me o nome, Etty. Simples mas sonante. Depois um amigo, um mestre, um conselho, aqui ficou a curiosidade. 
Comprei o livro, coisa rara, raramente compro livros, mas a capa, o olhar, a pose, o modo como segura no cigarro… e o amigo e o conselho, tinha de ser… Tinha de conhecer a Etty.


E assim foi, fácil…Demasiado fácil, assustadoramente fácil de perceber o que escrevia. Deixo algumas frases, algumas só para aguçar o apetite e algumas fotos para que as palavras tenham um rosto e comentários também, alguns, mas poucos e os que deixo são puro capricho meu, ela escreve muito bem por si.





“Lá estava eu então, com o meu «bloqueio espiritual». E ele iria pôr o meu caos interior em ordem, dominar as forças contraditórias que habitam o meu íntimo. Foi como se me tivesse pegado pela mão e me dissesse, vê, é assim que deves viver. Toda a vida tive essa sensação: quem me dera que houvesse alguém que me pegasse pela mão e se ocupasse de mim;”


“Tudo o que achasse bonito, desejava-o de forma exageradamente física, queria possuí-lo.”


“A vida em si deve permanecer a fonte primitiva, nunca um outro ser.”


“É difícil estar simultaneamente de bons termos com Deus e com o baixo-ventre.”


Uma mulher como qualquer outra, apaixonada por um homem, que se debate com as questões mais banais da paixão o «querer possuir», o «desejo»  e sobre elas escreve com uma abertura despudorada e no meio disto tudo a consciência de Deus que a faz questionar constantemente os seus sentimentos e a essa relação tentando ordenar afectos. 







“Tudo isto existe por sua vez neste mundo e não devemos negar uma coisa em detrimento da outra.”


“Estás sempre a dizer que queres apagar-te completamente, mas enquanto estiveres cheia dessa vaidade e dessas fantasias não deixaste ainda de te importar contigo... preciso de viver ainda muito mais interiormente.”


“Creio que não vivo de modo suficientemente simples por dentro… Pensar é uma bonita e orgulhosa ocupação… Então deve ser-se passivo e escutar.”


“A única coisa que uma pessoa pode fazer é pôr-se humildemente à disposição e deixar-se tornar um campo de batalha.”


“Uma pessoa não deve perder-se continuamente nas grandes questões…”


Consciente da realidade em que vive, comprometida com o mundo e que se debate constantemente com a interioridade e a exterioridade na procura de um equilíbrio.





“Ó Deus, toma-me na tua grande mão e torna-me o teu instrumento, faz-me escrever.”


“ …é assim que eu quero escrever. Com um espaço imenso  à volta das palavras… um espaço com alma…”


“Uma pessoa deve igualmente aceitar que tem os seus momentos «não criadores»…Uma pessoa deve ter coragem de fazer um intervalo. Deve ousar estar vazia e sentir desânimo.”


Uma mulher que tem um sonho, que sonha escrever e descrever tudo o que vive com toda a alma, nunca chego a perceber se tem consciência de que já o faz. Hoje em dia o Etty Hillesum Research Centre (EHOC) estuda a sua obra.







“Dentro de mim há um poço muito fundo. E lá está Deus. Às vezes consigo lá chegar. Mas acontece mais frequentemente haver pedras e cascalho no poço, e aí Deus está soterrado. Então é preciso desenterrá-lo.”


“Deus, pega-me pela mão, acompanhar-te-ei bem-comportadamente, sem muita resistência.”


“Quando uma pessoa leva uma vida interior, talvez nem haja assim tanta diferença entre estar fora ou dentro dos muros de um campo. Será que irei  conseguir justificar estas palavras a mim mesma, mais tarde?”


“Sei de tudo e continuo a enfrentar cada pedaço da realidade que se me impõe.”


“O que se passa realmente comigo? Nenhuma das preocupações deste dia ficou agarrada a mim…De minuto a minuto, vão-se despregando de mim mais desejos, anseios e vínculos a outros, estou pronta para tudo…”


“…eu não tenho a sensação de estar presa nas garras deles…só sinto estar nos braços de Deus…”


“Mas sobre aquele pedaço de caminho, que permanece nosso, também existe o céu total. Não nos podem fazer nada, não nos podem fazer realmente nada. Podem tornar-nos as coisas algo complicadas, podem roubar-nos alguns bens materiais, alguma aparente liberdade de movimentos, mas somos nós que cometemos o maior roubo a nós próprios…”


“Olha, as minhas forças não dão mais do que isto, para além disto não aguento. Quanto a isto não há nada que eu possa fazer, tens de me aceitar como eu sou.”


O que mais admiro nesta Senhora é a sua Fé inabalável e consequente. Para Deus nela não há territórios proibidos, a descoberta de Deus veio revolucionar toda a sua vida, as suas relações, o seu trabalho, o seu dia a dia, das opções mais banais às mais mais vitais. Etty dá todo o espaço para que Deus trabalhe nela, abre em consciência a porta da casa para que Ele a desarrume.







“Todavia sou uma eleita, meu Deus, que me deixas participar em tanta coisa desta vida e me deste tanta força para conseguir arcar com tudo.”


“Mas na realidade é mais que isso o que se passa: o céu vive dentro de mim. Tudo vive dentro de mim.”


“Os céus dentro de mim são tão vastos como os que estão por cima de mim.


E no final isto resume tudo, uma mulher que faz um caminho destes, de crescer na consciência de que nela se reunem céu e terra, pessoas, vidas, preocupações, trabalho e também serenidade, consciência histórica, caridade, oração, Deus. E chego ao final a rezar, é impossível não rezarmos vidas destas, vidas que nos inspiram a sermos mais de Deus, cada vez mais.

1 comentário:

  1. Magnífico! Gostei mesmo muito, quer da selecção das frases, quer dos comentários! Tenho que acabar de ler e depois conversamos sobre o livro, de facto, faz-me lembrar de ti em muitas coisas... beijinho!

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